domingo, 29 de julho de 2018

O Brasil precisa avançar



Brasil sofre para expandir internet, 20 anos após privatizar Telebras

Desde 1998, o país universalizou telefonia; hoje, desafio é acompanhar avanços tecnológicos

Taís Hirata

São Paulo





Após 20 anos da privatização do Sistema Telebras, o setor de telecomunicações brasileiro enfrenta um novo desafio: ampliar o acesso à internet no Brasil.

A banda larga e a fibra óptica têm avançado, mas ainda estão fora do alcance de quem vive em áreas mais isoladas e daqueles que não conseguem arcar com os preços dos pacotes, segundo analistas e representantes do setor.

No país, 62% dos municípios têm estrutura de fibra óptica, segundo dados de 2017 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Pedestres ao celular na avenida Paulista (SP); passados 20 anos do leilão de privatização da Telebras, Brasil já superou a marca de um smartphone por habitante são cerca de 220 milhões de aparelhos Danilo Verpa/Folhapress


O brasileiros e seu celular

Ensaio do repórter-fotográfico Danilo Verpa retrata como a telefonia entrou para a rotina do país, 20 anos após a privatização da Telebras

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Há ainda fortes diferenças regionais: no Piauí, apenas 16,5% dos municípios tinham a rede. No Amazonas, eram 35,5%, e, em Minas Gerais, 40%.

Mesmo a cobertura de telefonia móvel (3G e 4G), que já atinge praticamente todo o país, muitas vezes chega com baixa qualidade ou preços altos demais para a população local, diz Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Dependendo do local, a rede chega, mas tem de ver com qual velocidade. Há também a questão do preço, porque tem muito imposto sobre a tarifa e porque em diversos locais a renda é baixa demais. Isso deixa muitas pessoas de fora.”

Para analistas e associações do setor, a dificuldade para ampliar o acesso está ligada à rápida mudança tecnológica das telecomunicações, que não foi acompanhada por atualizações nas regras, ainda pensadas para outra realidade.

Em 29 de julho de 1998, quando 12 empresas do Sistema Telebras foram vendidas por R$ 22 bilhões (cerca de R$ 76 bilhões, em valores corrigidos pela inflação), o setor estava diante de uma revolução: universalizar o acesso ao telefone fixo.

À época, havia apenas 17,5 milhões de linhas em todo o país. A população pagava mais de R$ 1.000 por uma linha e esperava cerca de dois anos pela instalação.

A disseminação do telefone celular era ainda mais baixa: havia pouco mais de 4 milhões de assinantes.

Hoje, uma nova reviravolta se aproxima, com a chegada de tecnologias como a internet das coisas (conceito em que todos os objetos da vida cotidiana estariam conectados à rede) e a indústria 4.0 (inclusão de tecnologias de automação e troca de dados ao sistema produtivo).

Com isso, a tendência é que a desigualdade aumente ainda mais, diz Barrionuevo.

“A internet das coisas vai afetar uma série de equipamentos que usamos no dia a dia. Quem hoje já está fora da internet porque é muito pobre é quem mais vai se prejudicar. Temos de correr com uma solução”, afirma.

Uma das medidas apontadas como essenciais para destravar os investimentos na expansão da infraestrutura é a alteração da Lei Geral das Telecomunicações, que completa 21 anos em 2018.

A principal mudança defendida pelas empresas seria isentar as concessionárias de fazer investimentos em telefonia fixa e transferir esses recursos à expansão da internet.

“As companhias investem até R$ 450 milhões por ano para manter o parque público de orelhões no país, uma estrutura que ninguém está aproveitando. Hoje o que a população precisa é de acesso à internet”, afirma Carlos Sequeira, analista de telecomunicações do BTG Pactual.

O projeto, porém, está parado no Congresso, e analistas já começam a duvidar da viabilidade da aprovação.

“Mesmo que seja aprovado [no próximo governo], vai ficar muito perto do prazo final das concessões, que é 2025, porque, uma vez aprovado, deverá haver ao menos um ano e meio de negociações [sobre os valores a serem pagos pela estrutura construída durante a concessão]”, afirma Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco.

Para a Anatel, há outras medidas em debate. Uma delas seria alterar, também via projeto de lei, a destinação de recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).

O fundo, que recebe 1% da receita operacional bruta das companhias do setor, atualmente só pode destinar os recursos à telefonia fixa.

Na prática, porém, nem mesmo esses investimentos ocorrem, uma vez que os recursos vão para os cofres da União e acabam sendo usados para outros fins.

O Fust arrecadou R$ 20,4 bilhões entre 2001 e 2017, segundo o Sinditelebrasil, que representa as empresas do setor.

Uma mudança para tornar o fundo mais efetivo está atualmente em discussão no Congresso. A ideia é fazer com que os recursos sejam usados para expandir o acesso à internet, diz Carlos Baigorri, superintendente-executivo da Anatel.

Além das reformas que dependem do aval do Congresso, o governo deverá ter uma importante janela para estimular a universalização da banda larga nos próximos anos: o leilão de frequência para o 5G.

O 5G, como é chamada a quinta geração de internet móvel, tem potencial de atingir uma velocidade cerca de dez vezes maior do que o 4G.

A expectativa da Anatel é realizar entre 2019 e 2020 o leilão para o 5G, no qual as empresas poderão comprar pedaços da faixa de frequência.

Para Baigorri, seria determinante que o governo federal ampliasse suas exigências de universalização no leilão—ou seja, determinasse que as vencedoras fizessem investimentos nas regiões mais pobres ou isoladas do país.

Isso não tem sido feito nos leilões porque, quanto mais exigências, menor é a arrecadação, e o governo nunca está disposto a abrir mão de receita, afirma Eduardo Levy, presidente-executivo do Sinditelebrasil.

“Quando faz o leilão, o governo fica muito feliz com ágios [prêmios sobre o valor inicial] altos. Eu fico triste, porque, se a empresa pagou ágio alto, vai cobrar mais do cliente. E paga-se mais porque não se exige cobertura em áreas difíceis de cobrir. Como o governo faz [o leilão] para arrecadar, exige pouco”, afirma Levy.

Procurado para comentar o tema, o Ministério da Fazenda não quis se manifestar.

Levy estima que, para universalizar a estrutura de banda larga no país, seria preciso dar um salto de ao menos R$ 50 bilhões adicionais nos investimentos anuais, por um prazo de cinco anos.

Hoje, o setor investe cerca de R$ 25 bilhões por ano.

As empresas de telecomunicações sofrem também com os tradicionais obstáculos do setor de infraestrutura, como a dificuldade para realizar obras extensas que atravessam municípios, diz Eduardo Santini, diretor da consultoria KPMG.

“A legislação de ocupação do solo é municipal, então cada cidade tem sua regra e exige uma licença diferente. Isso é um problema para a construção tanto da fibra óptica quanto de torres de antenas.”

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